Quando se fala de partilhar a intimidade falamos essencialmente de aprofundar as zonas mais sensíveis, ou seja, os maiores erros, as maiores faltas, os maiores defeitos, falhanços, medos, mas também as maiores loucuras, ousadias, desejos e sonhos mais recônditos. Partilhar a intimidade é dar a conhecer, mutuamente, o bom e o mau. Vivenciar até aspectos muito negativos da outra pessoa e aceitar as “birras”, as frustrações, mesmo as iras. Conhecer a intimidade não é só repartir algo belo e inspirador. É distinguir o lado mais negro do melhor. É reconhecer a pureza sem disfarces sociais.
Em qualquer relação que se pretenda profunda, existe necessariamente o conhecimento e a troca da intimidade. É uma condição "sine qua non". Mas na intimidade, o revelar aspectos muito profundos, ou muito pessoais, implica outra condição fundamental: a condição da confidencialidade. A intimidade é preciosa, rara e deve ser conservada como um segredo. São aspectos que devem pertencer apenas ao casal.
Ponto assento: para haver intimidade, tem de haver confidencialidade. São polos que, necessariamente, se complementam. Uma relação para ser forte e duradoura tem de ter alicerces muito sólidos. Esses alicerces suportam, justamente, a intimidade. Dois amantes quando veem o seu amor como verdadeiro, devem ser quase como dois irmãos, dois companheiros que desejam dividir, conhecer a sua vida e caminhar juntos, ajudando-se mutuamente. Então, para isso e frequentemente, mesmo sem se aperceberem de tal, lançam as sementes fundamentais da intimidade dando assim a conhecer o seu mais profundo interior. E esses momentos são só deles, algo para respeitar e valorizar. São como o seu mais íntimo segredo. E a sua confidencialidade revela justamente a sua importância.
Aquilo que pode, efectivamente, quebrar uma relação e deixar feridas profundas e dolorosas, é o quebrar dessa intimidade. O revelar desses segredos a outras pessoas. Muitas vezes, por pressão social ou para ter motivos de conversa ou ainda para querer ser ouvido, um dos parceiros pode começar a conversar com outras pessoas, amigos ou não, sobre a vida íntima do casal. Isso pode ser perigoso...
Por que razão isto pode ser perigoso?
Todos sabemos que grande parte da nossa vida social se passa a conversar sobre os nossos relacionamentos amorosos. É um tema que, mesmo quando complexo e problemático, faz melhores digestões do que uma conversa sobre um livro, ou uma teoria ou algo que apele a uma grande atenção. É que, muitas vezes, as pessoas “desligam” quando não se sentem identificadas com o que está a ser dito. Assim, até se pode falar sobre o próximo eclipse do sol que, se a pessoa não estiver particularmente interessada vai, rapidamente, perder a atenção. Mas quando se fala de relações é como se as pessoas despertassem dando à conversa a máxima atenção. E porquê? Porque ligados às relações estão aspectos intrínsecos de intimidade e quando alguém revela intimidades, a pessoa que recebe esse segredo sente-se importante: foi a pessoa escolhida para tal revelação. Nós queremos ser especiais e estes breves momentos permitem-nos essa sensação.
É importante sublinhar que devemos confidenciar pormenores da nossa relação amorosa com os nossos amigos. Isto é muito importante.
A interrogação pode surgir quando esses pormenores entram numa esfera mais privada, mais pessoal. Quando esses pormenores que conhecemos e vivenciamos são unicamente da esfera do "Nós" da relação; quando, mesmo sem a outra pessoa nos dizer sabemos que devemos manter essa informação para nós e guardá-la; quando existe um carácter de confidencialidade implícito no que nos foi confidenciado. Se quebramos essa confidencialidade, transmitimos e banalizamos algo secreto e muito sensível.
Se a pessoa amada sabe que anda a ser comentada, ajuizada, percepcionada, transfigurada, criticada, se quase se torna banalizada e mesmo ridicularizada, então isso pode ser muito mau, muito negativo. Rompe-se o laço da confiança. A pessoa comentada pode deixar de querer estar com amigos que antes eram mútuos. Se assim acontecer, rompem-se círculos sociais, pois a pessoa lesada já não quer mais ver os outros que sabem coisas íntimas sobre ela. O problema é que muitas vezes estas pessoas são amigos muito próximos. Rompem-se então canais de comunicação fundamentais do casal, a vida social desmorona-se e abre-se uma ferida que dificilmente se fecha.
A questão da intimidade é uma questão extremamente delicada e é preciso perceber a sua importância.
Mas uma pergunta legítima que se pode colocar é: quando a relação entre o casal vai “de mal a pior” então talvez seja importante "abrir o jogo" com amigos comuns e revelar aspectos íntimos, revelar feridas profundas do casal. Em relação a esta questão, e uma vez que o casal são duas pessoas, só se deverão ser revelados aspectos de maior intimidade a amigos comuns com o consentimento de ambas as partes e nunca "às escondidas". Será facilmente compreensível que se se vai criticar a outra pessoa e transmitir uma imagem francamente negativa. Então, se a pessoa amada vier a saber que foi exposta desta forma, sem o seu consentimento, mesmo que a exposição tenha sido o mais correcta possível, poderá sentir-se muito incomodada.
Este assunto é, extremamente, delicado.
Por outro lado, é muito difícil que um elemento do casal possa aceitar ser exposto ao julgamento de um amigo em comum, embora existam situações em que tal acontece. Outra possibilidade é haver uma partilha de pormenores delicados com um amigo externo que raramente vê o outro elemento. Aí, o desconforto futuro poderá ser bem menor, porque não existe grande relação afetiva entre os vários elementos.
Obviamente, existem situações, em que as dificuldades de relacionamento dentro de um casal assumem proporções de tal ordem preocupantes que um dos elementos, ou mesmo ambos, procuram ajuda não em amigos, mas sim em psicólogos e psicoterapeutas. Estas são situações excepcionais em que o melhor é falar abertamente sobre o que perturba a relação. No espaço único do contexto terapêutico existe a liberdade de poder quebrar a confidencialidade da intimidade de um casal.
Muitas vezes esta procura individual de um dos elementos da relação acaba por resultar na inclusão do outro elemento num conceito de terapia de casal, em que o foco do trabalho terapêutico é na célula do “nós”, fundamental para a saúde psicológica de um casal.
A ideia fundamental a reter é que, para uma relacionamento íntimo perdurar, é fundamental partilhar a intimidade e garantir a sua confidencialidade, só a quebrando com o consentimento de ambos ou através da garantia de confidencialidade e liberdade proporcionadas pelo carácter único da relação terapêutica.
Se a sua relação atravessa uma crise e deu-se uma ruptura da intimidade, talvez seja importante procurar ajuda psicológica.
Aqui lhe deixo o link para marcação da sua consulta, caso sinta essa necessidade.
Penso que vale a pena pensar sobre isto.
Que vos parece?
Um abraço,
António Norton
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