Existem momentos para viver as relações amorosas de forma descontraída, descomplicada, simples e natural nos quais apenas se goza a presença e a riqueza da unicidade da pessoa que escolhemos para partilhar a nossa vida. Estes momentos são maravilhosos e alimentam de forma saudável uma relação. Permitem a construção do mais valioso tesouro de qualquer ligação amorosa: a construção do Nós.
Mas existem também alturas de reflexão, de paragem, de conversa séria, profunda e íntima, quando os dois elementos de um casal têm coisas para dizer um ao outro sobre a relação. E, dentro deste vasto tópico, podemos abranger questões tão importantes como:
O passado da relação - espaço para falar de assuntos delicados, como por exemplo, cada elemento se sentiu em determinada situação.
O presente da relação - como ambos os elementos de um casal pretendem modificar algo que não está a ser funcional na dinâmica da relação.
O futuro da relação - para onde se caminha e até que ponto se olha na mesma direcção?
Qualquer conversa séria e importante deverá ter o seu tempo próprio, espaço e disponibilidade interior. Muitos casais aproveitam momentos de tensão, proporcionados por duras discussões, para revelar como se sentiram quando o outro teve este ou aquele comportamento. Eu percebo que seja tentador lançar estas armas no curso de uma discussão, sobretudo quando os argumentos começam a desaparecer e a batalha parece estar perdida, mas as críticas transversais ao outro deverão ser feitas noutra altura.
Quando as discussões acontecem devem cingir-se ao que está a ser discutido. O passado, o presente ou o futuro não devem entrar no mesmo campo de batalha.
Se um casal discute porque a casa de banho está imunda, então a discussão deverá ser centrada nesse aspecto. Apenas e só nesse aspecto. As discussões deverão ser produtivas e quanto mais focalizadas, melhor.
Isto não significa que as questões transversais sejam esquecidas.
Todos estes assuntos merecem ser postos na mesa, mas as “discussões” ou “conversas acesas” não devem durar horas. Tornam-se esgotantes e quebram a harmonia de um casal.
Quando há discussão, há intensidade, há zanga. As emoções estão a “quente” e tornam-se imediatas. Quando a zanga impera, a capacidade de juízo crítico e de descentração é reduzida. Ou seja, geralmente quando discutimos, não ouvimos verdadeiramente o outro. Não existe, propriamente, comunicação. Existe, sim, uma disputa de ideias em que cada pessoa fica limitada às críticas que coloca ao outro.
Mas as discussões são inevitáveis. Portanto, quando acontecem, o ideal é restringirem-se ao tópico em discussão.
Então, quando se deverá falar das outras questões?
As outras questões devem, paradoxalmente, ser abordadas em momentos de intimidade, quando a proximidade entre os elementos do casal é elevada. Quando se sentirem unidos, realmente, essa é a altura em que mais serão capazes de fazer o movimento de descentração e de compreensão do outro.
Digamos que, quando o "Nós" impera, existe muito maior flexibilidade e disponibilidade para, verdadeiramente, comunicar. Momentos de carinho, de afecto, são excelentes para tocar em assuntos delicados. Existe verdadeira disponibilidade para ouvir o outro. Claro que os momentos de afecto não podem ser apenas portas de entrada para tocar em assuntos delicados, mas, por vezes, pode ser uma boa solução para esse fim. Ou ainda, em toda e qualquer altura de paz e tranquilidade, quando a vida flui calmamente.
Quando vamos falar de algo sensível, deveremos preparar emocionalmente a outra pessoa. Não é boa ideia "entrar a matar", como «gostava de falar sobre um assunto difícil que me está a perturbar» ou «não quero acusar-te de nada, mas temos de falar sobre um assunto delicado».
Qualquer assunto ‘arriscado’ deverá ser colocado na perspectiva do sentir, como, por exemplo, «quando fazes X eu sinto-me Y».
Pegando no exemplo da lide doméstica, poderá ser algo como: «quando deixas as tarefas domésticas por fazer, eu sinto-me muito triste e desiludida com o teu comportamento». É importante referir o comportamento da pessoa e não a pessoa em si. No exemplo que estamos a seguir, a pessoa não é imunda, mas apresenta comportamentos de falta de higiene. E isso é totalmente diferente. O foco deverá ser colocado no comportamento e não na pessoa em questão. Quando dizemos e usamos o verbo ser, estamos a condenar a pessoa a um rótulo. E os rótulos aprisionam e condicionam o nosso Ego.
Por exemplo: se uma mãe passa a vida a elogiar a beleza extraordinária da sua filha, esta poderá querer manter sempre esta ideia de si própria ao ponto de fazer "mil cirurgias plásticas" para manter esse condicionamento e essa ideia enraizada. Isso pode acontecer. Nós não SOMOS. Nós, pontualmente ou não, ESTAMOS. Esta ideia é libertadora e penso que é importante pensar sobre tal.
Voltando à temática sobre como abordar situações difíceis, repito: qualquer situação delicada deve ser abordada no contexto da relação.
«Quando fazes X eu sinto Y»
É muito importante falar sobre como se sente. As suas emoções e respectiva verbalização, são portas de entrada para a sua interioridade e sensibilidade e terão o efeito de sensibilizar o seu parceiro. Mudarei, pois, o meu comportamento, ao perceber como a minha forma de agir está a desiludir e entristecer o outro.
Outra ideia chave é o princípio da não culpabilização. Os assuntos sensíveis não deverão ser abordados procurando culpados. Devem ser abordados com o espírito de equipa, de união, da força de resolução de problemas relacionais do casal. «Quando fazes X eu sinto Y», «algo não está bem entre nós». Este estilo de comunicação é radicalmente diferente de algo como: «tens de mudar, estás errado, a culpa é tua, tens problemas!»
Finalmente, quando falamos numa dimensão da comunicação em que ambos os elementos se sentem envolvidos, existe espaço para algo como «eu sinto-me assim quando fazes isso, mas se calhar estou a exagerar, o que te parece?» ou seja, existe espaço para cada elemento se poder pôr em causa, e essa descentração é altamente benéfica para a resolução harmoniosa de conflitos na relação amorosa.
Portanto, os assuntos delicados deverão ter um espaço íntimo próprio. Não deverão ser lançados em discussões transversais. Deverão ser momentos de verdadeira comunicação sem culpabilização e procurando o foco no comportamento e não na pessoa.
Estas são algumas ideias que gostava de deixar. Gostava também que fossem úteis na sua ou na vossa reflexão.
Se se encontra numa relação amorosa tensa, onde a comunicação é muito díficil e onde as discussões pautadas por acusações. generalizações e culpabilizações imperam, então acredite que a Psicoterapia poderá fornecer excelentes ferramentas para melhorar a comunicação na sua relação amorosa e encontrar outra forma de trazer assuntos delicados ao espaço de discussão.
Deixo-lhe o link directo para marcação de consulta
Um abraço
António Norton
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