Vou convidá-lo para um desafio extremamente simples:
Gostaria apenas que fechasse os olhos e trouxesse, por breves
instantes, a imagem de uma criança à sua memória.
Qual é uma das primeiras palavras que lhe surge quando pensa e imagina uma criança?
Acredito que a palavra - espontaneidade - seja uma das primeiras que surge.
As crianças devem ser sempre espontâneas, soltas, livres, com expressividade motora e verbal.
Com isto não defendo que não devam ser educadas e guiadas, mas essa educação não deverá impedir o acesso ao mundo das palavras, do gesto, do movimento e do afecto.
Se uma criança está restringida e impedida de movimentar-se livremente, de poder expressar o seu afecto, então isso poderá ter consequências e impacto no seu desenvolvimento psico-afectivo.
A impossibilidade da espontaneidade, por estimulação do receio e do medo poderá, quando em adulto, conduzir a uma inibição do corpo na procura da palavra, do afecto e do toque , podendo comprometer o fluir emocional, a expressão saudável da vivência sexual e traduzir-se num empobrecimento da vida afectiva.
O medo, a repressão, a inibição pode levar a um estado de tensão muscular a qual poderá contribuir, a longo prazo, para estados depressivos, letárgicos e desligamento emocional.
É importante que todos pensemos sobre o impacto psicológico que pode ter a aplicação das medidas de distanciamento social no contexto das creches e jardins de infância, quer entre crianças, quer entre educadoras e crianças.
A proibição do contacto de proximidade entre crianças que se querem tocar, sentir, brincar, experienciar, rir, viver é, altamente, contra-indicado e não deverá ser, de forma alguma, incentivado.
Compreendo que a possibilidade de levar as crianças para as creches e jardins de infância seja o alívio de uma sobrecarga muito difícil de gerir para os pais que têm de articular as obrigações laborais em regime de teletrabalho com as tarefas domésticas e parentais. Percebo a urgência da abertura das creches e jardins de infância, mas as condições propostas de distanciamento social apresentam-se muito delicadas.
Se estas são as condições possíveis para a reabertura destes espaços, talvez seja preferível as crianças permanecerem em casa com os seus cuidadores, onde não existe um espaço de conflito entre querer, tocar, brincar, sentir e não o poder fazer. É como se a criança estivesse de castigo.
Também gostava de deixar uma palavra no que diz respeito à relação das crianças com os seus educadores de infância. No seu colo, podem encontrar conforto, segurança, amor. Mas, ao serem impedidas de estar em contacto directo com os educadores, este espaço de segurança - apenas obtido e sentido através do contacto corporal - deixa de ser possível.
Se queremos crianças saudáveis e enérgicas, libertando a sua tremenda espontaneidade, temos todos de pensar seriamente se queremos pactuar com medidas restrictivas que impedem a fruição plena da sua vida motora e afectiva.
Penso que vale a pena pensar sobre tudo isto.
Um abraço
António Norton
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